Direita tenta dar golpe no Paraguai
Por Altamiro Borges
A Câmara dos Deputados do Paraguai,
controlada pela oposição de direita, aprovou na manhã desta quinta-feira (21) a
abertura de processo de impeachment contra o presidente Fernando Lugo. O motivo
alegado é o confronto ocorrido em Curuguaty, a 350 km de Assunção, que resultou
na morte de onze camponeses e seis policiais. A proposta golpista agora será
votada no Senado.
O clima no país vizinho, vítima de
longos anos da ditadura militar de Alfredo Stroessner, é de forte tensão.
Organizações camponesas e de esquerda agendaram para hoje protestos em Assunção
contra o golpe. O comércio e as escolas na capital, segundo as agências de
notícias, estão fechados e a polícia já ocupou o centro da capital. A direita
também acionou os partidários do impeachment. Há risco de choques
violentos.
Dilma e Unasul
apreensivas
Diante do grave perigo de
retrocesso na região, a União das Nações Sul-americanas (Unasul) convocou uma
reunião emergencial no Rio de Janeiro, onde se encontram vários presidentes em
função da Rio+20. A presidente Dilma Rousseff também já manifestou a sua
“apreensão” com a situação do Paraguai. Em Brasília há consenso de que se trata
de uma tentativa de golpe de estado.
A própria direita paraguaia não
esconde o seu intento golpista. O conflito agrário é apenas um pretexto. Há
muito que os partidos conservadores, controlados por saudosas da ditadura e
poderosos ruralistas, sabotam o governo. Numa tentativa de conciliação, Fernando
Lugo até cedeu em várias propostas de mudanças, o que só atiçou a direita e
gerou frustração no campo popular.
Apesar das dificuldades, o
presidente garante que não cederá. Em nota oficial, Lugo afirmou que não
apresentará a sua renúncia e que aguarda a manifestação da sociedade, que o
elegeu democraticamente. Ele garantiu que vai “honrar a vontade das urnas” para
evitar que “mais uma vez na história da República um fato político tire
privilégio e soberania da suprema decisão do povo”.
Ruralistas violentos e
golpistas
A elite paraguaia é uma das mais
reacionárias da América Latina. Durante décadas, ela comandou o país, que tem
6,3 milhões de habitantes e um PIB cem vezes menor que o brasileiro. No cruel
reinado de Alfredo Stroessner (1954-1989), ela acumulou ainda mais riquezas.
Terras públicas foram doadas aos latifundiários, incluindo o ex-senador Blás
Riquelme, do Partido Colorado, grileiro da área onde ocorrem os conflitos
sangrentos da semana passada.
Atualmente, 2% dos proprietários
controlam 78% das terras agricultáveis no país. Com a exploração do gado e da
soja, inclusive por empresários brasileiros, o Paraguai teve um forte
crescimento econômico. Em 2010, ele registrou uma alta de 15,4%. Mas a
concentração nas mãos dos ruralistas só agravou os problemas sociais no
Paraguai, com milhares de famílias de sem terra.
Paraíso do estado mínimo
neoliberal
Como explica o jornalista César
Felício, do jornal Valor, “o Paraguai é o paraíso do Estado mínimo” neoliberal.
As elites não pagam impostos – a carga tributária atual é de 13% sobre o PIB, a
mais baixa da América do Sul, e o imposto de renda da pessoa jurídica só foi
criado em 2004. O Estado só é máximo para os ricaços, com todos seus
privilégios. Os pobres vegetam na miséria.
Segundo estudo da Cepal divulgado
no ano passado, 69% dos lares paraguaios não contam atualmente com nenhum
mecanismo de proteção social, nem mesmo da previdência. É o mais alto percentual
entre os 13 países pesquisados, que não inclui o Brasil. Um terço da população
está abaixo da linha de pobreza.
Tentativa de castrar a
mudança
Fernando Lugo, um ex-bispo católico
seguidor da Teologia da Libertação, foi eleito presidente em 2008 como expressão
do desejo de mudança deste sofrido povo – no rastro da guinada à esquerda na
América Latina. Ele não possuía forte estrutura partidária e nem contava com um
sólido movimento social, vitima dos cruéis anos da ditadura. Minoritário no
Congresso Nacional, Lugo não conseguiu aprovar sequer um projeto social similar
ao Bolsa Família, o “Tekoporá”, que beneficiaria apenas 83 mil famílias
carentes.
O seu governo também patinou na
promessa de promover uma limitada reforma agrária no país, que previa inclusive
o pagamento de indenizações aos grileiros. “Os conflitos rurais, que caíram
entre 2008 e 2010, voltaram a crescer no ano passado. Sem ter o que oferecer aos
movimentos organizados, Lugo não os atende e não os reprime”, relata César
Felício. O sangrento confronto em Curuguaty foi fruto desta situação tão
complexa e contraditória e agora serve de pretexto para uma nova tentativa de
golpe das elites.