domingo, 14 de outubro de 2012

A IGREJA CATÓLICA E A LUTA PELA TERRA NO BRASIL
INTRODUÇÃO
“A terra é minha e vóis sois como migrantes e posseiros”(Lv 25,23)
Focalizando as lutas dos trabalhadores rurais e suas relações com as igrejas2 e a fé religiosa,
observam-se que existe um laço histórico envolvendo estes atores sociais, como nas conhecidas lutas deCanudos e Contestado, nas quais o viés religioso e messiânico foi bastante presente na tentativa de
construção de sociedades locais, com regras próprias, rústicas e questionadoras do poder central. Mas
estas lutas, impulsionadas pela fé religiosa e necessidades materiais, passaram por fora das igrejas
institucionalizadas, principalmente a Igreja Católica.
Enquanto instituição, a Igreja esteve presente em grande parte das lutas sociais, quase sempre
ao lado do poder dominante. Mas também, ao longo da história, as contradições sociais levaram
conflitos para o interior da Igreja. Para este estudo, o recorte será feito meados do século, pois este
estudo pretende focalizar os períodos mais recentes das lutas pela terra no Brasil.
A Igreja Católica e a terra no Brasil contemporâneo: pré-64 e o período militar.
Em setembro de 1950, a Igreja Católica torna público o seu primeiro documento discutindo a
questão da terra no Brasil. Foi um documento elaborado por Dom Inocêncio Engelke3 -Bispo de
campanha – MG-e apresentada na Primeira Semana Ruralista. Dizia o documento que a Igreja já havia perdido os operários e não poderia perder os camponeses. Este documento descreve a situação de pobreza a que os camponeses estavam submetidos e incita a Igreja para que ela lidere um grande
movimento para melhorar a vida destes trabalhadores, pois, do contrário, estas pessoas poderiam ser
“vítimas de revolucionários” (BALDUÍNO, 2006).
Em setembro de 1954, na II Assembléia Geral da CNBB, realizada em Aparecida, São Paulo, a
problemática da terra foi debatida e divulgada em novo documento, no qual há a defesa da reforma
agrária. Mas esta defesa é sempre apresentada como uma proposta moderada, gradativa e palatável
aos setores dominantes. Defende, por exemplo, que a responsabilidade pela reforma agrária seria tanto do setor privado quanto do público. Ou seja, os setores latifundiários deveriam participar da reforma agrária tanto quanto o Estado.
Em outubro de 1961, a CNBB convoca uma reunião extraordinária para debater a reforma
agrária, na qual defende a modernização e desenvolvimento do campo. Pede o empenho da “Ação
Católica Rural, da Juventude Agrária Católica (JAC) e da Liga Agrária Católica (LAC), para que estes movimentos religiosos se engajem nos problemas do homem do campo”. Defende a sindicalização rural e o uso dos radio transmissores na divulgação das ações da JAC para apoiar a sindicalização rural, numa forma de se contrapor às Ligas Camponesas e ao comunismo (BALDUÍNO, 2006).
Deve-se salientar que neste período pré-64, as Ligas camponesas estão bastante atuantes no
Nordeste brasileiro, a Revolução cubana amedrontava setores do clero e a disputa pelo controle de
organizações camponesas por parte da Igreja e pelos comunistas era bastante presente.
Deve-se salientar que, contraditoriamente com estas posições da cúpula da Igreja, as Ligas
Camponesas tiveram, nas diversas religiões, um elemento impulsionador das lutas e, neste sentido,
foram diversas as ações concretas em que comunistas católicos e evangélicos de esquerda, distante das discussões hierárquicas da Igreja, aproximaram-se no apoio à reforma agrária e as lutas dos assalariados e camponeses.
NOVAES (1997) destaca que o advogado Francisco Julião, uma das lideranças das Ligas, já
apontava a importância da Bíblia -junto com o Código Civil-, para a mobilização dos trabalhadores do campo. Julião, que se declarava marxista-cristão, termo que será incorporado posteriormente, ao fim daditadura militar, por muitos militantes políticos oriundos das comunidades de base da Igreja Católica,citava, em seus discursos, Mao Tse Tung e Fidel Castro junto com diversos santos e doutores da Igreja.Este ecletismo será, posteriormente, assumido também pelo Movimento Sem Terra – MST - . Julião, que se dizia ecumênico, aproximou-se dos protestantes, com o fim de mobilizar
trabalhadores rurais, pois dizia que, pelo fato de serem pobres e protestantes, eles eram duplamente
oprimidos. Crítico das posições conservadoras da Igreja Católica, Julião,porém, apreciava o catolicismo popular e utilizava símbolos e imagens religiosas para a organização e mobilização das Ligas Camponesas. NOVAES (1997), em seu livro, também apresenta os casos de João Pedro Teixeira4, líder camponês, “crente” e acusado de ser “comunista” e do padre Alípio, engajado na luta pela reforma agrária. Porém, todos estes casos passavam “por fora” da estrutura das Igrejas.
Mas no seio da hierarquia da Igreja Católica havia o medo do comunismo, o que levou a que
diversos setores conservadores desta Igreja, inclusive através de documento oficial da CNBB, apoiassemo “Golpe Militar de 1964”.
Para os militares, a questão da terra representava a “segurança nacional”, pois um dos principais
argumentos para o golpe militar haviam sido a contenção do “avanço do comunismo”, que era
representado na época pela “influência soviética” e a Revolução Cubana. E, a simples menção da defesa da reforma agrária pelos movimentos de trabalhadores já era considerada, pelos militares, uma
proposta “comunista”, que colocava em risco o “direito de propriedade”. Assim, abateu-se sobre as
organizações de  trabalhadores do campo uma forte repressão, com a intervenções em sindicatos,
Federações, Confederações e nas Ligas Camponesas. O movimento sindical conseguiu sobreviver à
ditadura através de políticas negociadas e possíveis para o momento, principalmente por parte da
Confederação dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG-.
No poder, os militares aprovam um estatuto legal fundamental para a reforma agrária, o
“Estatuto da Terra”. Porém, na prática, visando evitar conflitos com os latifundiários, não realizam nem a reforma agrária prevista no Estatuto que eles apoiaram, preferindo investir em “programas de
desenvolvimento na Amazônia”, “frentes agrícolas no Centro-Oeste” e na “modernização da
agricultura”, gerando, com estas políticas, uma forte migração para as áreas citadas e para os centros
urbanos.
A redemocratização e a nova postura a Igreja católica.
Porém, com o desenrolar do período ditatorial e com o fim do chamado “milagre econômico”,
em meados dos anos 1970, os militares gradativamente foram perdendo o apoio popular que
desfrutavam junto a diversos setores sociais, principalmente junto à classe média. A crise do “milagre”, que abateu a prosperidade econômica a partir de meados dos anos 1970, motivou a que sociedade política oposicionista voltasse a se nos manifestar diversos movimentos sociais, sindicais e políticos que surgem no período.
Também a Igreja Católica, através de documentos da  CNBB, passa a fazer críticas ao modelo
ditatorial em vigor e assume a defesa de diversas lutas populares, entre elas a defesa da reforma
agrária. Se em 1964, a cúpula da Igreja católica apoiava o golpe militar que, na avaliação desta cúpula, teria salvado o Brasil do comunismo, gradativamente, começa a se afastar dos governos militares e, impulsionada pela Conferência de Medellín, passa a realizar críticas aos governos militares.
Neste novo quadro, em 1971, Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia, divulga
documento colocando a Igreja ao lado dos trabalhadores do campo. Em 1973, Dom José Maria Pires,
Bispo de João Pessoa e Dom Antônio Fragoso, Bispo de Crateús, divulgam documento de apoio aos trabalhadores do campo. Os apoios passam a crescer  e a cúpula da Igreja é instada a se posicionar.
Assim, em 1975, em Goiânia, é realizado um Encontro de Bispos e prelados da Amazônia. Este Encontro é de fundamental importância, pois é aprovado um documento apoiando a criação de uma “Comissão de Terras”, ligado a CNBB (BALDUÍNO, 2006).
Logo, em 1975, em conseqüência do Encontro anterior, é criada a ecumênica Comissão Pastoral
da Terra _CPT_, reconhecida pela CNBB e com hegemonia católica que, defendendo a reforma agrária, articulando as Pastorais Rurais e encontros de trabalhadores e assessores, publicando cartilhas e denunciando a violência no campo, firmou-se como uma instituição de apoio aos movimentos sociais do campo. Desta forma, tanto pelo apoio hierárquico como pelo trabalho “de base”, desenvolvido pelos agentes da CPT, a Igreja torna-se uma instituição que, com todas as suas contradições, passa a apoiar as lutas dos trabalhadores do campo e a reforma agrária durante o período militar.
Dom Tomás BALDUÍNO, analisando o papel das comunidades de base surgidas no período, diz
que uma de suas marcas era a mobilização para lutar por escolas, postos de saúde ou por terra pois,
sendo grupos de fé e de reflexão, estavam na perspectiva do Reino de Deus e não apenas numa
perspectiva eclesiástica para “criar mais uma capela ou uma confraria”:
Para Dom Tomás Balduíno, estas lutas fortaleceram as Cebs, que continuaram a ser locais de
reflexão e comunhão, pois caminhavam junto com diversos outros movimentos sociais do povo pobre e, para Dom Tomás Balduíno, isto seria o crescimento do Reino de Deus para que os povos adquiram
dignidade, justiça, bemestar e sejam participantes  da vida social e política. Este seria o sentido da
libertação que Jesus havia anunciado.
Este novo posicionamento da Igreja Católica é fundamental, pois esta não só passa a apoiar a
reforma agrária e a luta pela terra como também se imiscui nesta luta. As comunidades de base passam a ser um local onde as lutas sociais germinavam, gerando novas lideranças e ações práticas na luta pela terra.
Assim, em 1980, na 18º Assembléia do CNBB, a terra torna-se o tema central da Assembléia e um documento intitulado “Igreja e Problemas da Terra” é aprovado. Este documento, de apoio às lutas dos trabalhadores do campo, demonstra o novo posicionamento da Igreja perante a reforma agrária. Desde então, a Igreja e a ação da CPT ensejarão a formação de importantes lideranças e mesmo na criação de novos movimentos sociais, como aqueles baseados nas ocupações de terras que darão a base ao MST.
Fonte: http://www.cprepmauss.com.br