A CPT – Comissão Pastoral da Terra de Juazeiro, da Bahia e do Brasil, com fé e amor, celebra a Páscoa de dom José Rodrigues de Souza CSSR. A gratidão supera a dor desta hora de sua partida, para rogarmos a Deus por seu merecido descanso e pela continuidade por nós de sua obra redentora.
Bispo de Juazeiro
entre 1975 e 2003, dom José foi um dos fundadores da CPT Regional Nordeste III
(Bahia/Sergipe), em 1976, da qual foi bispo acompanhante por muitos anos. Criou
logo em seguida a CPT de Juazeiro, como resposta pastoral ao sofrimento do povo
expulso pela barragem de Sobradinho e aos camponeses vítimas da grilagem de
terra, no início da irrigação agrícola no submédio São Francisco. A todas as
demandas do povo sertanejo, multiplicadas e prementes, sua sensibilidade humana
e pastoral soube responder, ao criar (ou reforçar) outras sete pastorais sociais
(juventude do meio popular, pescadores, mulher marginalizada, saúde,
reassentados, carcerária, criança), “círculos de cultura” (com Paulo Freire), um
setor diocesano de comunicação, uma biblioteca de 45 mil volumes, uma campanha
pioneira pelas cisternas familiares de água de chuva, pilar da Convivência Com o
Semiárido, e uma destinação social ao patrimônio da diocese em terras na cidade
de Juazeiro. Como uma Igreja Nordestina, atuou sempre articulado com as dioceses
e bispos vizinhos: Senhor do Bonfim (d. Jairo), Rui Barbosa (d. Matthias e d.
André), Paulo Afonso (d. Mário e d. Esmeraldo), Petrolina-PE (d. Paulo) e
Propriá-SE (d. José Brandão, redentorista como ele). Favoreceu a articulação
sindical de todo o vale do São Francisco, que se reunia no centro de encontros
da diocese, em Carnaíba do Sertão. Em tempos de silenciamento, foi porta-voz dos
pobres nas igrejas e capelas, no rádio, no boletim mensal da diocese (“Caminhar
Juntos”), na Assembléia Legislativa, na Câmara Federal e em viagens pela Europa.
À tardinha das sextas-feiras, parava-se nas estradas para ouvir seu “Semeando a
verdade”, na Emissora Rural, e as comunidades reuniam-se ao redor do rádio para
ouvi-lo. Todos os meios disponíveis à época ele soube lançar mão pela libertação
do povo.
Não se intimidou
com a repressão militar, os quatro municípios atingidos pela barragem de
Sobradinho transformados em “área de segurança nacional”. Sua casa foi invadida
e vasculhada, os muros e portas da catedral pichados pelo Comando de Caça aos
Comunistas. Toda reação popular aos desmandos públicos e privados lhe era
atribuída, como as mortes de fazendeiros no vale do Salitre em confronto com
lavradores que defendiam sua água sugada pelas motobombas de grandes irrigações.
As conquistas do povo nos reassentamentos dos atingidos pela barragem de
Sobradinho devem muito à sua voz destemida e ao trabalho que encomendava à CPT.
A organização eclesial (CEBs), sindical e política do povo sertanejo teve grande
impulso sob sua inspiração e incomodou os coronéis locais e os donos do poder na
Bahia. Por conta de seu destemor na defesa dos pobres, explorados e oprimidos,
esteve por várias vezes sob risco de violência e morte, mas não retrocedeu,
impávido, às vezes contra nossa vontade. A entrega de si aos outros se tornou
definitiva quando se fez refém de assaltantes em lugar da família do gerente do
Banco do Brasil e esteve por dias com um revolver apontado para sua cabeça,
perdoou os criminosos, escrevia-lhes e ajudava a se recuperarem.
Ao deixar a
diocese, quando completou 77 anos de idade, disse como da essência de um
testamento: “nunca traí os pobres”. Sem dúvida alguma, sua fidelidade mais
profunda era a Jesus de Nazaré. E foi-se como veio, praticamente com a roupa do
corpo. Nestes sertões, neste país, e mesmo nesta Igreja, não é pouco... Diante
das sugestões para produzir suas memórias, dizia: “memória só tem uma, a
Eucaristia”.
Sua morte a menos
de um dia após a festa da padroeira, Nsa. Sra. das Grotas, que celebrou também
os 50 anos da diocese, a qual ele, firme e humilde, dirigiu por 28 anos, nos faz
pensar no quanto sua vida estava intimamente ligada à trajetória desta Igreja de
Cristo nos sertões do São Francisco. “Mãe das Grotas... em teus braços vê se
acolhe... os que lutam, os que vivem e os que morrem”.
Dom José
Rodrigues, Dom José, Dom Rodrigues, Rodriguinho, grão fértil de trigo morto,
produtivo (cf. João, 12,24), você nos deixa para habitar misteriosa e mais
fortemente nossos espíritos e nossas lutas. Com esperança, nós da CPT nos
comprometemos em preservar sua memória e ser fiel a seu exemplo e inspiração, na
continuidade do serviço incansável aos pobres do campo de hoje, causa do Reino
de Deus de sempre. Homem de fé e ação, de espírito e coração, de pouco corpo e
muita alma, profeta do nosso tempo, pastor dos pobres da terra, homem santo,
cuida de nós! Amém!
Juazeiro / Salvador / Goiânia, 10 de setembro de
2012.
Comissão
Pastoral da Terra